O livro é melhor do que a série?
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Para quem costuma acompanhar o blog, já deve ter lido o texto que fiz a respeito da série Sharp Objects. Naquele momento, deixem de lado as questões da adaptação e o que ficou e foi tirado (ou modificado). Pois bem, chegou a hora de abordá-las.
Há alguns pormenores, mas que são tão ínfimos, que deixarei de lado. Falarei mais em relação à transposição de mídias e o que isso acarreta na hora de adaptar.
Pode parecer irrelevante, mas essa discussão da atividade de adaptar obras (de qualquer meio a qualquer meio) tem uma abrangência acadêmica. Autores e pesquisadores se propõem a analisar o que ocorre nesse processo artístico. Afinal, não basta, apenas, pegar o que já está pronto e colocá-lo em outro lugar de qualquer maneira. Há um processo no meio disso. É preciso desconstruir a história e remontá-la.
E eu irei sair de questões mercadológicas, econômicas e outros empecilhos que tanto circundam produções audiovisuais e darei mais atenção ao aspecto artístico.
Primeiramente, o que leva alguém a adaptar uma obra? Poder recontar uma história querida com as próprias ideias? Abordando-as de maneiras opostas ao original? Trazer outra aura? Encaixá-las no público alvo que, outrora diferente, mas que, agora, já não é mais igual? Atualizá-la? Para alguns, corrigir ideias erradas que, lá atrás, eram louvadas? Na verdade, todas essas perguntas se fazem presentes e são consideradas.
Porém, uma pergunta que faltou foi a possibilidade de adequá-la ao novo meio de acordo com o que a nova mídia exige.
Normalmente, a versão literária tem mais tempo do que um filme. No livro, pode-se mensurar o tempo pela quantidade de palavras e páginas; enquanto um filme (um longa-metragem padrão) tem uma hora e trinta (às vezes, um pouco mais). Por isso a necessidade de cortar certas passagens da obra literária, e isso inclui deixar certos personagens de lado ou condensá-los em um único. Essas funções podem contribuir com a história e manter o que seria perdido, porém, realocando em outras partes.
Outro ponto importante é o que manter da obra original. Não me refiro a cortar, mas sim, a contar da mesma maneira. E essa é uma decisão primordial, pois, se feita à regalia, o resultado final pode ser desastroso. Para quem duvida, leiam e depois assistam “O Tempo Entre Costuras” — falarei em um futuro breve. A série não é ruim ou intragável, mas não chegou lá.
Particularmente, não sou a favor de alterar o que já está estabelecido na obra base, seja mudar a época, ambientação, enredo ou qualquer outro aspecto. Penso assim, pois, imagino que ao fazer alterações radicais, o responsável criará algo novo, já sem a necessidade de, por exemplo, sequer manter o nome da obra base, dos personagens e assim por diante.
Imaginem o seguinte: Bruce Wayne não é amargurado, não usa uma fantasia de morcego e odeia sair na porrada contra vagabundos. Alguns poderiam falar que isso seria uma releitura, a visão de um artista incompreendido. Eu diria que é apenas uma merda já que, basicamente, essa não seria a essência do que É o Batman, independentemente do que ele possa ter sido no passado.
Apesar disso, consigo entender que existe a necessidade em remover o que for julgado desnecessário; pôr o que possa acrescentar narrativamente (contanto que não comprometa) ou condensar em prol da mídia. Contanto que não quebre ou remova a ESSÊNCIA da obra original, essência essa responsável por quererem fazer a adaptação.
Mas chega disso! Agora, voltarei ao livro.
No livro, é muito mais destacado como Camille se sente. Podemos ouvir a mente dela e o que ela pensa a respeito do mundo. Tanto que ela me pareceu outra personagem no livro (li depois de assistir a série). A conduta dela é mais debochada, “animada” (mas mantém a autocomiseração). Ela também aparenta ser mais nova na versão literária.
Enquanto na série, aliás, tudo é mais sugestivo, exigindo do público sensibilidade para absorver certas informações visuais que no livro são descritas
Mas um ponto negativo (para mim) da adaptação foi justamente a impossibilidade de descobrir quem era a pessoa responsável pelos assassinatos. No livro, há um vislumbre ao horizonte, enquanto na série é quase impossível saber. Se isso foi intencional, eu não sei, mas na série o desfecho soou como uma resolução apressada, tudo jogado de uma vez.
Agora, Um pouco da série
Procuro me distanciar de notícias que falam a respeito dos responsáveis pela produção e as intenções deles para a série, pois gosto de interpretá-la pelo que é mostrado, não pelo que queria ser mostrado. Mas ressalto que a versão televisiva é muito mais sombria do que a literária, e achei isso válido. Afinal, uma mulher que se mutila e que tem problemas com alcoolismo não me parece algo feliz. No livro, o mundo me pareceu mais limpo (apesar da perturbadora história).
Particularmente, gostei mais da série. O clima mostrado, as excelentes interpretações (Amy Adams é fantástica), a trilha sonora, enfim, tudo foi construído de uma maneira excepcional. Mesmo com a questão do final que me desagradou — não o que aconteceu, mas da forma que aconteceu —, no geral, eu não senti que a série, com as mudanças, comprometeu a história. Posso dizer que fizeram um grande trabalho de adaptação.
Para finalizar, saibam que o final da série termina alguns passos antes ao do livro. Na versão literária, a história caminha mais um pouco e mostra o que a pessoa responsável pelos assassinatos teve que enfrentar, após a condenação.
E lembrem-se: “Don’t tell mama”.
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