“Você vai ter tempo de sobra para se entediar, Maya. Aproveite para escrever as enormes burradas que você fez, para ver se aprende — disse ela.”
Essa sofrida obra apresenta a agitada história da jovem Maya Vidal, uma garota magricela, que tem insônia e nem um pouco de juízo.
Ela vive (vivia?) com a avó (ou Nini, como ela gosta de chamar) e o avô (que, na verdade, não é o avô dela, mas o segundo marido da Nini). De qualquer maneira, ela o chama de Popo. Eles vivem em São Francisco. Maya vai morar com eles, nos EUA, após ser abandonada pela mãe e ser deixada com eles, pelo pai.
Esse é um daqueles livros que nos faz ficar diante de uma tragédia contínua — eterna, pode-se dizer. Digo isso, pois, a vida que Maya levou (e leva) é tão péssima, dolorosa e angustiante, que tem de tudo para afastar olhares mais sensíveis. Claro, muito de o que acontece com ela é passível das atitudes dela (independentemente se há um porquê por trás). Porém, isso não justifica toda a brutalidade pela qual Maya precisa passar.
O Caderno de Maya foi escrito pela autora Isabel Allende, que conseguiu trazer à tona um passeio pelo sofrimento alheio. Para conceber essa história negativa, Allende disse que houve influência da vida dela e de pessoas com quem ela conviveu, mais eventos que precisou enfrentar.
O que há no livro?
A história apresenta o presente e o passado de Maya, intercalando-os. Enquanto vemos Maya numa nova e pacata vida, no Chile, também retornamos ao passado dela para olharmos o horror em que ela vivia e que a levou até o novo destino. E é quase tudo dor e infelicidade, com poucos relapsos de alegria. Porém, tudo é bem construído.
Maya, por sua vez, é uma personagem que, por mais estúpida que possa ser, em alguns momentos, apegamo-nos demais. Ela ainda é muito jovem e, como sabemos, nessa época, normalmente todos são desprovidos de qualquer tipo de responsabilidade — inteligência e noção das coisas. Por isso, as escolhas e condutas dela, cada vez mais, tornam-se piores, erradas, burras. E Maya segue por um caminho árduo, sombrio, podre.
Como já mencionei, a narrativa trabalha em dois tempos, que instiga a descobrirmos o que levou Maya a ter que se refugiar em um novo país. É uma maneira bastante interessante de se narrar a história. As revelações, conforme surgem, trazem as dificuldades que Maya passou. E, no final, diante de tantos absurdos que ela teve que enfrentar, não é nenhuma surpresa a avó dela ter encontrado uma resolução tão longínqua.
Os personagens
Particularmente, afeiçoei-me bastante por Maya. A psique dela é tão perturbada e sofrida, que o que eu mais queria era que ela se afastasse de todo o mal que a absorvia. Apesar de olhar com os olhos de um adulto, enxergo que as atitudes dela são críveis de serem feitas, principalmente pela tão pouca idade que tinha; mais as experiências que passou (ou, apenas, aceitou).
E, ao final, ainda precisou lutar (com força) pela própria vida.
O livro possui alguns outros personagens interessantes. Primeiro, temos a tal da Nini. Essa insana senhora é uma espécie de protetora de Maya. É ela quem dá fim (positivamente, se isso existe) na neta. Também é a responsável por ajudá-la em outros momentos. E, apesar da postura dura, até o fim se mostra preocupada por Maya. Infelizmente, precisou vivenciar a morte de dois maridos, o que influenciou a personalidade dela um pouco para o pior.
Outro personagem com grande importância é o Popo da Maya. Ele é à luz guia da pobre garota. Sempre zelando por ela — até mesmo após morrer —, significava muito para a menina (o que é evidenciado no decorrer da história). Contudo, a morte dele — também — contribuiu para o trem descarrilhado que seria a vida da neta.
Esse apego que Maya tinha (tem) por ele e a dificuldade de ter que aceitar a morte de um ente é um dos aspectos mais fortes da história. Ter que lidar com a perda não é fácil e as consequências que isso gera, muitas vezes, podem ser as piores possíveis. E com Maya podemos ver isso.
E, por fim, temos o antropólogo Manuel Arias, que vive em Chiloé, no Chile. Com um passado misterioso, esse senhor quer, apenas, deixar para trás tudo o que viveu.
Um único adendo que faço em relação ao livro é que, em alguns momentos (realmente poucos), achei que a história olhava demais para as arestas e esticava certos pontos paliativos. Mas nada que tenha prejudicado a narrativa e/ou a história.
Uma grata surpresa
Eu não conhecia a autora (nunca havia ouvido falar nela), mas, graças à capa, que me atraiu, decidi dar uma chance e fui recompensado por isso. O Caderno de Maya é uma grande obra literária, bem amarrada e com um desfecho justo, se olhar para tudo o que é apresentado.
Por isso, digo que a força de O Caderno de Maya está na sucessão de eventos que Maya passa e até onde eles a levam. Não digo ”levam” me referindo a lugares, mas, sim, a própria evolução dela enquanto pessoa. De uma garota mimada, birrenta, insuportável, chata, para algo melhor, evoluída. Ela precisou passar por tanta porcaria, sofrimento, perdas que, talvez, o final dela seria ser visitada pela morte mais cedo na vida. Felizmente, isso não aconteceu, apesar de ela ter ficado um pouco quebrada.
E é uma obra que traz temas violentos, expostos cruamente, fazendo questão de colocar ferro quente na ferida, por mais insuportável que seja. Mas tudo é tratado com esmero, mesmo com partes bem expositivas.
Contudo, em O Caderno de Maya, ainda é possível olhar para coisas simples, suficientes o bastante para trazer paz e tranquilidade, até mesmo para a uma menina autodestrutiva.
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