Clássico do cinema brasileiro foi percursor do movimento cinemanovista
Particularmente, nunca fui muito fã do cinema brasileiro. Na verdade, nunca fui fã do cinema brasileiro. Talvez, por um preconceito estúpido ou por mera preguiça. De qualquer maneira, após começar a estudar cinema academicamente e conhecer mais a respeito dessa forma de arte, e, principalmente, após assistir essa obra-prima, devo reconsiderar meus valores sobre o cinema nacional. Não que eu vá rever tudo que já assisti para ver se refaço as minhas opiniões. Mas um novo caminho, certamente, será traçado daqui em diante.
Eu sempre vi o cinema brasileiro sobre um prisma particular: filmes de cunho social ou porcarias de “comédias” — eu me recuso a dizer comédia sem aspas. Sempre enfadonhos e repetitivos.
No caso, eu me refiro ao cinema nacional moderno.
E isso me esgotava. Essa mesmice social cansada; “comédias” mornas sem um pingo de criatividade, causavam-me um desinteresse colossal. Talvez por eu estar habituado ao cinema norte-americano e sua estética, eu esperasse o mesmo do meu país e dos seus idealizadores.
Mas não é assim que funcionam as coisas.
Cada forma de cinema se desenvolve de uma maneira, sobre condições e, principalmente, contextos específicos, que os fazem ser da forma que são. E o Brasil, e o cinema dele, também funciona assim. Questões que estão além da mera necessidade de se produzir uma forma de entretenimento burocrática.
Apesar de eu acreditar, firmemente, que o cinema nacional ainda precise experimentar mais, muito mais e sair de uma premissa já provada, mas que, agora, é repetitiva e extenuante. Existe um salto aí a ser dado ainda, mas que parece ser ignorado por todos.
Bom, após esse meu discurso chato, vamos ao que interessa.
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), do diretor Glauber Rocha, é um marco no cinema brasileiro. Como já mencionado, foi um dos percursores do Cinema Novo — movimento do cinema brasileiro que teve seus primórdios nos anos 50, mas que se consolidou a partir dos anos 60.
Sob a premissa “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” — concebida pelo próprio Glauber Rocha —, a ideia desse movimento era de fazer um cinema que rompesse com o que era vigente na época no cinema do Brasil: uma cópia do cinema “hollywoodiano”.
Inclusive, foi Glauber Rocha quem cunhou a chamada “estética da fome”. Esse termo definia uma maneira de se mostrar a miséria de uma forma mais realista sem floreios nem glamour, com o intuito de chocar e incomodar o público.
Glauber queria que o cinema fosse mais participativo, de fato, com a realidade do que estava acontecendo no Brasil — os problemas/preocupações —, em vez de ficar “perdendo” tempo com, por exemplo, as chanchadas.
Houve 3 momentos para o Cinema Novo, mas não vou me atentar a eles neste momento.
Buscando mostrar de maneira direta, crua, seca, agressiva e violenta a realidade da dificuldade que os brasileiros enfrentavam, decidiu romper com o normal e, assim, deu inicio a um dos movimentos mais importantes do Brasil — e do mundo.
O Cinema Novo tinha como premissa um cinema mais independente, que não se atentava tanto a questões estéticas mais tradicionais. Bebendo de fontes similares, como a Nouvelle Vague francesa e o Neorrealismo italiano, que renegavam as tradições “hollywoodianas”, trouxe toda uma nova maneira de fazer cinema.
A estética é mais voltada ao documentário sem tanta preocupação com a do cinema clássico, por exemplo. A essência dele estava direcionada ao realismo exacerbado e a denuncia social.
Também eram produções de baixo custo. E em Deus e o Diabo na Terra do Sol vemos isso.
A história de Manoel e Rosa, no interior de uma cidadezinha do nordeste, representava bem essa ideologia cinemanovista. Trazendo à tona a vida dos sertanejos e as dificuldades que os rondavam, o filme é uma excelência em sua proposta. Com fortes críticas ao coronealismo, à religião (catolicismo) e à alienação que ela proporciona, o filme expõe a vida que esse povo enfrentava. E, devido à falta de opções, as escolhas que (têm) tinham que fazer.
Para quem está acostumado com o cinema norte-americano, pode ter dificuldades em assistir esse filme. A narrativa, inovadora para a época, é fragmentada, fugindo de um padrão estabelecido. Além de usar de um artifício excepcional, que foi um dos personagens (o cangaceiro Corisco) narrando, de maneira cantada, a própria história, em certos momentos. É brilhante! E o filme é em preto e branco.
Além dos vários aspectos que tornam Deus e o Diabo numa primazia, há também as interpretações, que são maravilhosas. Os contrastes que elas trazem, por meio de interpretações bem dramáticas, beirando um tom teatral, é um devaneio em relação a toda a aura caótica que impera nas vidas dos personagens. É fantástico.
Para quem quiser conhecer um pouco sobre o Cinema Brasileiro e deixar de ser um chato em relação a ele, esse filme é mais do que indicado.
Está disponível no youtube.
Nada que o tempo não conserte e traga novas peças no lugar das já desgastadas. Isso é uma referência a mim mesmo. Agora, falta fazer o mesmo com o Cinema Brasileiro, tirando-o de um circulo vicioso. Círculo, esse, que foi responsável por trazer maravilhas fílmicas para nós, mas que precisa seguir por outros caminhos, o mais breve possível, para descobrir o que o mundo imagético do cinema ainda guarda.
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