Narrativa atemporal, mistério e jumpscares compensam a falta de terror, personagens chatos e final ruim
Uma residência misteriosa, uma família que vai morar nela e recorrentes surgimentos de seres fantasmagóricos. Mais clichê que isso impossível. Mas há quem ainda goste de assistir esse tipo de coisa.
É nítido que muitas obras de terror flutuam em torno de premissas convencionais, que isso chega a ser um pouco desgastante e frustrante. Contudo, se a narrativa for compensatória, essa questão, facilmente, é deixada de lado. Porém, é preciso saber lidar com os aspectos que permeiam os gêneros. Como eu falei no texto sobre The WItch, existem certas “obrigatoriedades” que devem estar presentes. E em "A Maldição da Residência Hill", apesar de não dar medo - em nenhum momento - há muito das convenções dos gêneros, como, por exemplo, os divertidos jumpscares. Por sinal, os jumpscares são muito bem empregados na série. Alguns são previsíveis, mas há outros - e um, especificamente - que é capaz de matar alguém do coração.
Agora, digo que não dá medo por algumas questões mais subjetivas do que oriundas da própria produção. Eu tenho pouca empatia por obras que trabalham com fantasmas, espíritos ou qualquer entidade semelhante. E se o propósito é nos inserir, de uma maneira autêntica, isso acaba não funcionando comigo.
Além disso, hoje em dia, eu noto que a questão da estética (pelo menos das produções de terror que eu assisto) são deixadas a mercê da própria história. Não há um design de produção que traga vida a obra. Apesar de manter o aspecto da escuridão, mais uma sonorização bastante aflitiva, o restante é genérico ou mal exposto. Não vejo um empenho em apresentar uma composição mais ampla, além das atuações e, evidentemente, da própria história. São poucos filmes ou séries que dão atenção a isso. Novamente, relembro de The Witch que soube fazer isso tão bem. Ou, até mesmo, Coringa (2019), que, apesar de não ser terror, tem uma forte presença do design de produção (cenografia, figurinos, trilha sonora, maquiagem) em sua narrativa e contribuem com a história.
Em "A Maldição da Residência Hill" a fotografia é ok, com boas composições de luz e - muita - sombra. Mas há um excesso em cenas com desfoque, o que dificulta a percepção de um aspecto muito presente na série, além de retirar muito da apreciação do cenário.
A direção é um pouco mais interessante, com algumas cenas corridas, onde o plano-sequência trabalha bem. Apesar de usar em demasia os closes que, logo, são procedidos pela aparição de algum fantasma. Contudo, algo que me atraiu muito foram as cenas mais abertas - quando não envoltas de desfoque - onde a profundidade se estendia até o terceiro plano. Isso possibilitou e ampliou a atenção a respeito do que poderia estar acontecendo na cena (apesar do desfoque).
Já a cenografia não conseguiu contribuir em nada para trazer medo. E esse é um problema grave. Não basta um detalhamento preciso, com uma produção primorosa. Afinal, isso é o mínimo que se espera. É preciso que haja mais empenho em dar peso ao ambiente em que se passa a história. Pois, em uma obra de terror, cada pedaço é fundamental para aumentar a tensão, além de contribuir para a inserção do terror.
Qual a história da série, afinal?
Temos uma família (para variar), os Crain, que vai morar em uma casa assombrada (na verdade, parece mais uma mansão). Além do pai e da mãe, há também os cinco filhos (três meninas e dois meninos). Os pais, que trabalham restaurando casas para depois revendê-las, decidiram ir morar nela com o intuito de, após reformá-la, vendê-la por um alto valor e, assim, construir uma, definitivamente, para a família.
Contudo, após motivos que são explicados aos poucos, de uma maneira, aliás, bastante interessante, entendemos o que levou o pai a tirar os seus filhos da mansão.
A série trabalha entre o presente, o passado recente e o passado mais distante. Dessa forma, presenciamos situações pela metade, que já aconteceram, com os pedaços faltantes que surgem conforme a série avança.
Os filhos são apresentados em um paralelo: criança e adulto. O que funciona muito bem. Esse recurso narrativo é muito bem empregado, pois cria curiosidade a respeito de o porquê certas situações ou comportamentos existirem, apesar de haver algumas conversas maçantes entre os personagens.
A história prossegue com os filhos, já adultos, com as suas vidas (complicadas, diga-se de passagem). Porém, pelos eventos que cada um presenciou, mais o central que os fez perderem alguém importante, todos ainda lidam com a aparição de seres estranhos em suas vidas. E é esse o motivo que faz uma das irmãs voltar à antiga mansão. E a partir de o que acontece com ela que a série começa avançar para o seu o desfecho.
O final deixou a desejar
Antes de qualquer coisa, é bom salientar que "A Maldição da Residência Hill" é baseada em um livro chamado "A Assombração da Casa da Colina", de Shirley Jackson, publicado pela primeira vez em 1953. Não é a adaptação exata do livro, pois muita coisa foi modificada.
Porém, independente disso, é preciso dizer que o final é um fiasco gritante. Não basta uma resolução estilo novela da Globo, ainda precisamos lidar com a desconstrução de o que fora apresentado até então (me refiro a mansão). De um lugar sombrio, tenebroso, responsável por grandes traumas na vida da família Crain, e de outras, a moradia se torna em uma espécie de purgatório. A mansão permite rever pessoas que morreram e, caso queira, continuar ao lado delas. Chega a ser revoltante uma situação que acontece no último episódio.
E todas as mazelas são resolvidas ou, pelo menos, postas à luz. Não há um afundar nas trevas.
Apesar disso, a série traz alguns temas válidos, como: superação, perdão, amor, confiança e família. Aliás, família não é uma palavra que os irmãos parecem conhecer. São distantes emocionalmente, com pouca atenção entre eles. Vivem, basicamente, em um conflito eterno (talvez, com exceção dos gêmeos). Ninguém parece gostar de ninguém e tudo é motivo para começar a ofender o outro.
Já a mansão era (é) um trauma na vida de todos os Crain, e ter que enfrentá-la se mostrou um grande desafio para eles. Porém, para lidar com as feridas do passado, precisaram retornar ao lugar que tirou duas das pessoas mais importantes de suas vidas. E, ao final, eles conseguem superar muito dos problemas que enfrentavam e passam a ser mais unidos. E isso me atraiu mais do que, propriamente, a questão do terror. Esse drama que há nos Crain é o que se destaca, no final de tudo. Toda a série é montada em cima dessa premissa. O quanto de o que somos quando criança e das situações que vivenciamos nesse período é levado conosco para a fase adulta, mais os problemas que isso acarreta. É muito bom.
Vale a pena assistir?
Sim. Vale a pena assistir. Mesmo com a fraca presença do medo e um final péssimo, os aspectos que já citei, como a narrativa, os problemas da família, e os jumpscares, sobrepõe todo o resto. As atuações são medianas (sendo generoso, pois há algumas insuportáveis) e não há quem se destaque. Mas não chegam a comprometer a série.
Enfim, se quer algo de um grau elevado de terror e medo, recomendo que vá procurar outras produções. No fim, "A Maldição da Residência Hill" é mais uma série que trabalha o terror como plano de fundo, para poder construir e apresentar um drama familiar - com um final feliz, obviamente.
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